Apercebemo-nos da sua chegada, permitimos a sua entrada, mostramos-lhe onde está o sofá para se instalar.
Sabemos que se ficar por cá muito tempo, pode fazer-nos mal. Mas neste momento é Ela que ocupa grande espaço na cabeça e coração da nossa mamã.
Sentir a cabeça apertada e por isso reduzir o pensamento analitico e pragmático para niveis minimos - assegurar apenas os serviços minimos - para dar tempo às peças, que neste momento esvoaçam furiosamente em estilo furação na cabeça da mamã, de terminarem a agitação e voltarem ao lugar, é esta actualmente a sua defesa. Porque neste momento o seu cérebro está muito ocupado. Ocupado a gerir perdas de pessoas queridas, ocupado a gerir a eminência de perder mais pessoas queridas. Ocupado a gerir imagens e emoções pela visão da quase morte, da quase vida, da quase existência de quem conheceu desde que nasceu e que neste momento não reconhece, face à degradação do seu estado.
No dia-a-dia da mamã, o coração bate mais forte do que o habital, o estômago contrai-se a cada pensamento mais negro e durante a noite os sonhos aplicam a facada final, com histórias cujo enredo é sempre o mesmo: salvar as filhas da eminência de morrerem por acidente ou descuido seu.
Bem vistas as coisas, nem sabemos como é que a mamã consegue levantar-se todos os dias de manhã e falar, andar e sorrir para nós, tal é o peso que lhe pende sobre a cabeça e tão apertada está a corda que lhe aperta o coração. O que sabemos é que neste momento, ela está em "modo automático", para poupar energias. Emoções. Pensamentos. Para ter reservas para o que aí vem.
Por isso a Tristeza está actualmente instalada no coração da mamã e teima em não sair; porque neste momento é a única que não muda, é estável, é imutável. É segura... E permite à mamã recolher-se, reorganizar-se e abastecer-se de força e coragem para si e para quem, dentro em breve, delas vai precisar também...